23 setembro 2007

Allen Ginsberg - Arte é ilusão, pois eu não ajo

Fico ou Parto - com constante alegria
Meus pensamentos, embora céticos, são sagrados
Santa prece para o conhecimento ou puro fato.

Então enceno a esperança de que posso criar
Um mundo vivo em torno de meus olhos mortais
Um triste paraíso é o que imito
E anjos caídos cujas asas perdidas são suspiros.

Neste estado não mundano em que me movimento
Minha Fé e Esperança são diabólica moeda corrente
Em mundos falsificados, cunho pequenos donativos
Em torno de mim, e troco minha alma por amor.

Allen Ginsberg - Um Supermercado na Califórnia

Muito venho pensando em ti nesta noite, Walt Whitman, enquanto caminho pela calçada sob as árvores, com uma incômoda dor de cabeça e olhando a lua cheia.

Em meu faminto cansaço, e fazendo compras na imaginação, fui ao supermercado de néon e frutas, sonhando com tuas listagens!

Que pêssegos e que penumbras! Famílias inteiras nas compras da noite! Corredores cheios de maridos! Mulheres nos abacates e bebês nos tomates! - e, você, Garcia Lorca,
que estava fazendo diante dos melões?

Te vi, Walt Whitman, sem filhos, velho comilão solitário, apalpando as carnes do refrigerador e lançando olhares aos jovens vendedores.

Te ouvi perguntar a eles todos: quem matou as costeletas de porco? qual o preço das bananas? quem é meu Anjo, tu?

Vagueei por entre as prateleiras brilhantes de latas, te seguindo e sendo seguido pelo detetive da casa, em minha imaginação.

Percorremos os grandes corredores, juntos em nossa solitária fantasia, provando alcachofras, pegando todas as delícias congeladas, sem passar pela caixa.

Para onde estamos indo, Walt Whitman? Dentro de uma hora as portas se fecham. Qual o caminho que tua barba hoje aponta?

(Toco em teu livro e sonho com nossa odisséia no supermercado - e me sinto absurdo.)

Iremos caminhar a noite por todas essas ruas solitárias? As árvores acrescentam sombras às sombras, luzes apagadas nas casas, ambos estaremos sozinhos.

Andando e sonhando com a América perdida de amor, passaremos por automóveis azuis no estacionamento a caminho de nosso solitário refúgio?

Ah, querido pai, de barbas cinzas, velho e solitário professor de coragem, que América te conheceu quando Caronte desistiu de empurrar seu barco e desceu-te na margem enfumaçada e ficou vendo o barco desaparecer nas negras águas do Letes?